Stuart Russell e Peter Norvig | Inteligência Artificial

Capítulo 1 • Introdução 7 Não deliberamos sobre os fins, mas sobre os meios. Um médico não delibera sobre se deve ou não curar, nem um orador sobre se deve ou não persuadir (…). Eles dão a finali- dade por estabelecida e procuram saber a maneira de alcançá-la; se lhes parece poder ser alcançada por vários meios, procuram saber o mais fácil e o mais eficaz; e se há apenas um meio para alcançá-la, procuram saber como será alcançada por esse meio e por que outro meio alcançar esse primeiro, até chegar ao primeiro princípio, que é o último na ordem de descoberta, (…) e o que vem em último lugar na ordem da análise parece ser o primeiro na ordem da execução. E, se chegarmos a uma impossibilidade, abandonamos a busca; por exemplo, se precisarmos de dinheiro e não for possível consegui-lo; porém, se algo parecer possível, tentaremos realizá-lo. O algoritmo de Aristóteles foi implementado 2300 anos mais tarde, por Newell e Simon, em seu programa General Problem Solver (Resolvedor Geral de Problemas). Agora, pode- ríamos denominá-lo sistema de planejamento regressivo guloso (ver Capítulo 11). Os métodos baseados no planejamento lógico para se chegar a metas definidas dominaram as primeiras poucas décadas da pesquisa teórica em IA. Pensar apenas em termos de ações para atingir metas costuma ser útil, mas às vezes inapli- cável. Por exemplo, se houver várias maneiras diferentes de atingir uma meta, deve haver alguma maneira de escolher entre elas. Mais importante, pode não ser possível atingir uma meta com certeza, mas ainda assim alguma ação deve ser tomada. Como então se deve decidir? Antoine Arnauld (1662), analisando a noção de decisões racionais em jogos de azar, propôs uma fórmula quantitativa para maximizar o valor monetário esperado do resultado. Mais tarde, Daniel Bernoulli (1738) introduziu a noção mais geral de utilidade para capturar o valor interno e sub- jetivo de um resultado. A noção moderna de tomada de decisão racional sob incerteza envolve a maximização da utilidade esperada, conforme explicado no Capítulo 16. Em questões de ética e políticas públicas, um tomador de decisão precisa considerar os interesses de vários indivíduos. Jeremy Bentham (1823) e John Stuart Mill (1863) promo- veram a ideia do utilitarismo : que a tomada de decisão racional, baseada na maximização da utilidade, deve se aplicar a todas as esferas da atividade humana, incluindo as decisões de po- lítica pública feitas em nome de muitos indivíduos. O utilitarismo é um tipo específico de consequencialismo : a ideia de que o que é certo e errado é determinado pelos resultados espe- rados de uma ação. Por outro lado, Immanuel Kant propôs em 1875 uma teoria da ética baseada em regras ou ética deontológica , em que “fazer a coisa certa” é determinado não por resultados, mas por leis sociais universais que regem as ações permitidas, como “não mentir” ou “não matar”. Assim, um utilitarista poderia contar uma mentira inocente se o bem esperado superasse o mal, mas um kantiano não o faria, porque mentir é inerentemente errado. Mill reconheceu o valor das regras, mas as entendeu como procedimentos de decisão eficientes, compilados a partir do raciocínio dos princípios sobre as consequências. Muitos sistemas modernos de IA adotam exatamente essa abordagem. 1.2.2 Matemática • Quais são as regras formais para obter conclusões válidas? • O que pode ser computado? • Como raciocinamos com informações incertas? Os filósofos demarcaram algumas das ideias fundamentais sobre IA, mas o salto para uma ciência formal exigiu certo nível de formalização matemática da lógica e da probabilidade e a introdução de um novo ramo da matemática: a computação. A ideia de lógica formal pode ser ligada aos filósofos da Grécia antiga, Índia e China, mas seu desenvolvimento matemático começou realmente com o trabalho de George Boole (1815-1864), que definiu os detalhes da lógica proposicional ou lógica booleana (Boole, 1847). Em 1879, Gottlob Frege (1848-1925) estendeu a lógica de Boole para incluir objetos e relações, criando a lógica de primeira ordem que é utilizada hoje. 5 Além do seu papel 5 A notação proposta por Frege para a lógica de primeira ordem – uma combinação enigmática de aspectos textuais e geométricos – nunca se tornou popular. Utilidade Utilitarismo Ética deontológica Lógica formal

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