Stuart Russell e Peter Norvig | Inteligência Artificial

Inteligência Artificial 6 “Pois o que é o coração, senão uma mola; e os nervos, senão tantas cordas; e as articulações, senão tantas rodas.” Ele também sugeriu que o raciocínio era como o cálculo numérico: “Pois ‘raciocinar’ (...) é nada mais do que ‘calcular’, ou seja, somar e subtrair.” Afirmar que a mente opera, pelo menos em parte, de acordo com regras lógicas ou numé- ricas, e construir sistemas físicos que emulam algumas dessas regras é uma coisa; outra é dizer que a mente em si é esse sistema físico. René Descartes (1596-1650) apresentou a primeira discussão clara da distinção entre mente e matéria. Ele observou que uma concepção pura- mente física da mente parece deixar pouco espaço para o livre-arbítrio. Se a mente é governada inteiramente por leis físicas, então ela não tem mais livre-arbítrio que uma pedra que “decide” cair em direção ao centro da Terra. Descartes era um proponente do dualismo . Ele sustentava que há uma parte da mente humana (ou alma, ou espírito) que transcende a natureza, isenta das leis físicas. Por outro lado, os animais não têm essa qualidade dual; eles poderiam ser tra- tados como máquinas. Uma alternativa para o dualismo é o materialismo , que sustenta que a operação do cé- rebro de acordo com as leis da física constitui a mente. O livre-arbítrio é simplesmente o modo como a percepção das escolhas disponíveis se mostra para a entidade que escolhe. Os termos fisicalismo e naturalismo também são usados para descrever essa visão, que se contrasta com o supernatural. Dada uma mente física que manipula o conhecimento, o problema seguinte é estabelecer a origem do conhecimento. O movimento chamado empirismo , iniciado a partir da obra de Francis Bacon (1561-1626), Novum Organum , 4 se caracterizou por uma frase de John Locke (1632-1704): “Não há nada na compreensão que não estivesse primeiro nos sentidos.” A obra de David Hume (1711-1776) A Treatise of Human Nature ( Tratado da Natureza Humana ) (Hume, 1739) propôs aquilo que se conhece hoje como o princípio da indução : as regras gerais são adquiridas pela exposição a associações repetidas entre seus elementos. Com base no trabalho de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) e Bertrand Russell (1872- 1970), o famoso Círculo de Viena (Sigmund, 2017), um grupo de filósofos e matemáticos reu- nidos em Viena nos anos 1920 e 1930, desenvolveu a doutrina do positivismo lógico . Essa doutrina sustenta que todo conhecimento pode ser caracterizado por teorias lógicas conec- tadas, em última análise, a sentenças de observação que correspondem a entradas sensoriais; desse modo, o positivismo lógico combina o racionalismo e o empirismo. A teoria da confirmação de Rudolf Carnap (1891-1970) e de Carl Hempel (1905-1997) tentava analisar a aquisição do conhecimento por meio da experiência, quantificando o grau de crença que deveria ser atribuído a sentenças lógicas com base em sua conexão com observações que as confirmem ou as contrariem. O livro de Carnap, The Logical Structure of the World (1928), provavelmente foi a primeira teoria da mente como um processo computacional. O último elemento no quadro filosófico da mente é a conexão entre conhecimento e ação. Essa questão é vital para a IA porque a inteligência exige ação, bem como raciocínio. Além disso, apenas pela compreensão de como as ações são justificadas podemos compreender como construir um agente cujas ações sejam justificáveis (ou racionais). Aristóteles argumentava (em De Motu Animalium ) que as ações se justificam por uma conexão lógica entre metas e conhecimento do resultado da ação: Porém, como explicar que o pensamento às vezes esteja acompanhado pela ação e às vezes não, às vezes esteja acompanhado pelo movimento e outras vezes não? Aparentemente, acontece quase o mesmo no caso do raciocínio e na realização de inferências sobre objetos imutáveis. Contudo, nesse caso o fim é uma proposição especulativa (…) enquanto aqui a conclusão que resulta das duas premissas é uma ação. (…) Preciso me cobrir; um casaco é uma coberta. Preciso de um casaco. O que eu preciso, tenho de fazer; preciso de um casaco. Tenho de fazer um casaco. E a conclusão, “tenho de fazer um casaco”, é uma ação. Na obra Ética a Nicômaco (Livro III. 3, 1112b), Aristóteles desenvolve esse tópico um pouco mais, sugerindo um algoritmo: 4 O Novum Organum é uma atualização do Organon de Aristóteles, ou instrumento de pensamento. Dualismo Empirismo Indução Positivismo lógico Sentença de observação Teoria da confirmação

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